10/20/2006

Bush compara pela primeira vez as guerras do Iraque e do Vietname
Rita Siza, Washington

Porta-voz do Exército recomenda uma mudança estratégica devido à crescente violência, sobretudo na cidade de Bagdad

Horas depois de o Presidente George W. Bush ter admitido, pela primeira vez, semelhanças entre as guerras no Iraque e no Vietname, o porta-voz do Exército norte-americano em Bagdad, general William Caldwell, recomendou ontem uma mudança de estratégia para combater a crescente violência.
O número de ataques na capital iraquiana cresceu 22 por cento só nas primeiras três semanas do mês de jejum islâmico do Ramadão. Notando que a concentração de tropas nas zonas mais problemáticas de Bagdad não produziu o efeito desejado na diminuição da violência, Caldwell defendeu a redefinição de todo o plano de segurança para Bagdad. "Estamos a trabalhar com o governo do Iraque para determinar a melhor maneira de dirigir os nossos esforços", declarou.
Os comentários de Caldwell surgem depois de Bush ter também reconhecido a sua frustração com o recrudescimento da violência e, num momento inesperado, ter admitido semelhanças entre o que se passa no Iraque e o que se passou no Vietname - uma guerra considerada a maior mancha negra da história militar e política dos EUA.
Numa entrevista à cadeia televisiva ABC, o Presidente deixou cair o tabu, admitindo uma equivalência com a histórica ofensiva de Tet, uma série de operações do Vietcong contra alvos norte-americanos no início de 1968. Apesar de ter resultado em derrota para as tropas comunistas, Tet é considerada como o momento de viragem na guerra do Vietname - provocando a maior contestação pública à guerra e levando o então Presidente Lyndon Johnson a renunciar à sua recandidatura à Casa Branca.
Comentando uma opinião de Thomas Friedman, colunista do jornal New York Times, que considerou o aumento dos ataques em Bagdad como "o equivalente jihadista da ofensiva de Tet", Bush abanou a cabeça e desabafou: "Ele é capaz de ter razão."
"Estamos perante um crescente nível de violência, e estamos a caminho de uma eleição", concordou o Presidente numa entrevista exclusiva ao jornalista George Stephanopoulos. "O meu instinto diz-me que desde o princípio a estratégia do inimigo foi infligir danos insuportáveis para nos forçar a retirar. (...) Os líderes da Al-Qaeda deixaram isso muito claro: eles acreditam que se conseguirem criar suficiente caos, a população americana vai-se cansar do esforço no Iraque e que isso obrigará o governo a retirar."

"Eu sou paciente"
Em todo o caso, sublinhou Bush, em nenhuma circunstância as tropas americanas abandonarão o território durante a sua presidência. "Está a falar na saída de todas as tropas, até ao último soldado?", perguntou o Presidente quando o jornalista colocou a questão. "Não", repetiu, frisando que uma retirada seria sinónimo de rendição. "Eu sou paciente. Não serei paciente para sempre, mas reconheço o grau de dificuldade da nossa tarefa e é por isso que digo ao povo americano que não vamos fugir."
O mês de Outubro já é um dos períodos mais mortíferos da guerra do Iraque: até ontem, tinham morrido 72 soldados americanos (a ofensiva em Fallujah, em Novembro de 2004, onde morreram 137 soldados, permanece até agora o pior momento para as tropas norte-americanas). Esta semana, perderam a vida 13 militares dos EUA; as baixas norte-americanas desde o início da operação já ascendem a mais de 2800 soldados.
Ontem, o dia voltou a ser sangrento, com vários ataques à bomba no Norte do país e na capital. Em Mossul, 12 pessoas morreram numa estação de gasolina num ataque suicída com um carro armadilhado; em Kirkuk, outras 12 pessoas perderam a vida após a deflagração de uma bomba colocada à beira da estrada; em Bagdad quatro pessoas foram atingidas mortalmente na sequência de um ataque a uma patrulha da polícia.

43 mortos por dia
Pelas estimativas do Exército norte-americano, a guerra no Iraque mata por dia uma média de 43 pessoas, entre militares e civis.
Segundo interpretou ontem o general Caldwell, o recrudescimento dos ataques na região de Bagdad "não é uma coincidência" e tem um óbvio objectivo político. "Não é por acaso que os ataques começaram a aumentar com a concentração de tropas em Bagdad e com a aproximação das eleições intercalares na América", considerou. "O inimigo sabe que a morte de inocentes e soldados americanos garante as manchetes dos jornais e aumenta a sensação de frustração".
Caldwell observou, porém, que esta nova vaga de violência é bastante "desencorajadora". De acordo com os serviços secretos militares dos EUA, haverá 23 grupos de milícias anti-americanas a actuar no perímetro de Bagdad. "Estamos naturalmente muito preocupados com o que se está a passar na cidade. Estamos a questionar se as condições em que definimos a nossa estratégia ainda se mantêm", referiu o responsável, numa admissão do erro pouco comum nas estruturas militares.
Consciente de que o descontentamento público com a situação no Iraque será um dos principais factores a determinar o sentido de voto dos americanos no próximo mês de Novembro, Bush esforçou-se por desvalorizar a questão, contrapondo que a votação para a recomposição do Congresso não é um referendo nem à sua Administração nem à situação no Iraque. "Quando muito, será um referendo a quem é melhor a garantir a segurança do país e quem é melhor a promover o crescimento da economia", considerou o Presidente.