10/08/2006

A Nato e os Taleban - Opinião de José Almeida Fernandes

A NATO e os taliban
PONTO DE VISTA JORGE ALMEIDA FERNANDES

A 7 de Setembro de 2001, os americanos começaram a bombardear o Afeganistão dos taliban. Cinco anos depois, a NATO assume, no mesmo Afeganistão, a mais perigosa missão da sua história. O grande problema do país é a falta de Estado. Mas sucessivos fiascos trouxeram de volta os taliban e, com eles, o regresso da questão militar. O próximo tema "quente" será um confronto diplomático com o Paquistão, que continua a apoiar os "estudantes de teologia"

CComandantes de cinco dos países da NATO no Afeganistão (EUA, Canadá, Dinamarca, Grã-Bretanha e Holanda) pediram na sexta-feira aos seus governos uma pressão dura sobre o Paquistão, cujos serviços secretos continuam a ajudar os taliban. "É tempo de dizer a Musharraf, ao mais alto nível político, "ou está conosco ou contra nós"", sublinhou um dos comandantes ao jornalista paquistanês Ahmed Rashid, em Cabul.
Em Agosto de 2003, a NATO assumiu o comando da Força Internacional de Assistência à Segurança (ISAF) no Afeganistão, não para fazer guerra mas para consolidar a autoridade do Estado e facilitar a reconstrução. Na quinta-feira, assumiu o comando geral das operações (com parte das tropas americanas) para prevenir uma catástrofe. Mas, desta vez, em missão de combate. A NATO joga no Afeganistão a sua credibilidade e o seu futuro.
O problema central afegão não é militar, é a construção do Estado e da economia. Mas a acumulação de erros trouxe de volta os taliban e, com eles, a questão militar.

1. Depois do sucesso da guerra de 2001, os EUA não consolidaram a vitória, através de um investimento maciço na reconstrução. "Mas o pior estava para vir. Em lugar de concluir o trabalho no Afeganistão, Bush decidiu invadir o Iraque. Milhares de operacionais de informação, centenas de milhares de soldados e biliões de dólares foram desviados da luta contra a Al-Qaeda e os terroristas para promover uma ocupação destinada ao fracasso" que, segundo os próprios serviços de informação americanos, faz crescer o jihadismo, resume Ivo Daalder, da Brookings Institution. O mesmo escreve o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres: uma oportunidade crucial perdida para o Ocidente.
Em Agosto de 2002, Donald Rumsfeld profetizou que o novo Afeganistão seria "um modelo de sucesso do que poderia acontecer no Iraque". Vê-se: é o Iraque que contagia o Afeganistão, dando aos taliban a convicção de que poderão vencer e fornecendo-lhes a nova "tecnologia" de insurreição.

2. O taliban mudaram. Já não são apenas os "estudantes de teologia" de tribos pashtun. Foram reforçados por jihadistas estrangeiros, muitos deles da Al-Qaeda. Têm melhor formação militar, recebida no Paquistão, Iraque ou Somália, e adoptaram as técnicas dos jihadistas iraquianos - dos engenhos explosivos nas estradas aos atentados suicidas. Estão a implantar-se, tirando partido da incapacidade do Governo em garantir segurança. Criam tribunais islâmicos e "protegem" os camponeses produtores de ópio, o que lhes assegura o financiamento.
Os talibans são acicatados pela convicção de que os EUA acabarão por retirar e querem ocupar o "vazio" que se criaria, pois o exército afegão pouco conta. Em fins de 2005, Washington conseguiu que os europeus da NATO enviassem um contingente adicional de 6000 homens, enquanto Rumsfeld encarava a retirada de 4000 americanos, a pensar nas eleições do Congresso de 2006.
Os taliban passaram então a atacar as tropas da NATO, para levar os europeus, que não contavam com combates reais, a retirar os soldados, explicou Ahmed Rashid, especialista no movimento taliban.
Musharraf acusa o seu colega afegão, Hamid Karzai, de não perceber que o que está em curso é uma revolta tribal pashtun (40 a 45 por cento da população afegã) com que não sabe lidar. Segundo os especialistas é uma afirmação abusiva, mas, a acontecer, relançaria a guerra civil (tribos do Norte contra os pashtun).
Os seis países vizinhos, previne Rashid, já estão a mover os seus peões para novas "guerras por procuração" na eventualidade de implosão do Afeganistão.

3. Hoje, os afegãos têm liberdade. Têm uma Constituição, um Presidente, um Parlamento e conselhos provinciais livremente eleitos, tal como um exército e uma polícia. O problema é que as instituições não funcionam. Karzai apenas "governa" Cabul.
É certo que o Afeganistão é um país de tradição tribal e não assimilaria um modelo ocidental de Estado. Mas este é incapaz de prestar à população os serviços mínimos que ela exige, mesmo na capital, onde a situação social é alarmante e alimenta o ressentimento contra o Governo e os estrangeiros, que a população acolhera com elevada expectativa. A corrupção cresce exponencialmente, o que, ao lado da ineficiência, deslegitima o Estado.
"Sem mais ajuda financeira e mais esforço para dominar os taliban, o país deslizará para o mesmo caos que o Iraque", alerta no Los Angeles Times o neoconservador Max Boot.
Sobre o estado catastrófico do país - a começar pelo desastre político que é a erradicação forçada da papoila do ópio sem dar culturas alternativas aos agricultores - recomenda-se a leitura do depoimento que Barnett R. Rubin, um dos grandes especialistas americanos, fez no Congresso, a 21 de Setembro (www.cfr.org/publication/11486/still).

4. "A insurreição não pode ser apenas explicada pelo seu santuário no Paquistão, mas poucas insurreições com santuários no estrangeiro foram derrotadas", afirma Rubin. Mas para eliminar o santuário não basta para estabilizar o país: isso passa pelo Estado e pela economia.
Os taliban constituiram, nos anos 1990, o maior "investimento estratégico" do Paquistão, que vê no Afeganistão a rectaguarda estratégica do país. Musharraf foi forçado a abandonar os taliban em 2001. Mas continuou a protegê-los na sombra.
É nas zonas montanhosas da fronteira norte do Paquistão, de maioria pashtun, que os taliban têm campos de treino, madrassas e a rsenais. O seu chefe, mullah Mohammed Omar, vive na cidade de Quetta. Para aliviar a pressão americana, Musharraf fez um acordo com as tribos locais. Os taliban renunciam a entrar no Afeganistão e não serão incomodados no Paquistão.
O essencial, anota Rubin, não é a infiltração, quase impossível de controlar numa longa fronteira montanhosa. Fundamental é desmantelar a cadeia de comando e as bases dos taliban - o que exige a intervenção dos serviços secretos e do exército. Pode Musharraf impô-la, contra os militares? E deseja-a? Ele apostou na aliança com o partido fundamentalista Jamiat-e-Ulema Islam, que governa a região fronteiriça, para vencer as eleições de 2007. O Jamiat é um velho sócio dos taliban.
A mensagem dos comandantes da NATO é clara: se o Paquistão não agir, dificilmente vencerão. Até por falta de efectivos. Havia escolha? "Qualquer fraqueza mostrada pela aliança ocidental no seu compromisso apenas reforçará o inimigo", adverte Rashid.
Pela sua posição geográfica - "corredor" entre a Ásia Central e a Ásia do Sul - o Afeganistão tem um excepcional valor estratégico, potenciado por um papel central na frente do terrorismo. A sua queda teria para os EUA - e para a NATO - um efeito sísmico igual ou superior ao do Iraque.
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