10/11/2006

Empregada doméstica relata em livro o horror de ser mulher divorciada na India


Amit Bhargava for The International Herald Tribune

Baby Halder works for Prabodh Kumar, who encouraged her to write about her life. The resulting book, “A Life Less Ordinary,” is both a critical and commercial success.

Baby Halder trabalha para Praboth Kumar que a encorajou a escrever àcerca da sua vida. O livro que daí resultou , uma vida menos que comum,(A Life less Than ordinary) é um sucesso comercial e um sucesso para a crítica , na India.

(New York Times Book Review)
Na Índia, empregada doméstica torna-se estrela literária.

Abandonada pela sua mãe aos 4 anos , casada aos 12 com um marido violento , mãe aos 13 anos , pouco havia na infância de Baby Halder que indicasse que ela se tornaria numa estrela literária na idade adulta.

Mãe solteira aos 25, lutando para alimentar os seus três filhos trabalhando como empregada para vários patrões exploradores, Halder não teve tempo para se dedicar a ler ou a contemplar a dura realidade de sua existência - até começar a trabalhar na casa de um professor aposentado , que numa ocasião a encontrou a folhear livros quando deveria estar a limpar as prateleiras.

Ele descobriu o seu interesse latente por literatura, deu -lhe um caderno e uma caneta e incentivou-a a começar a escrever. “A Life Less Ordinary” [Uma Vida Menos que comum ], a sensação editorial desta temporada em Nova Déli, é o resultado de suas sessões de escritadurante a noite, depois de terminar suas tarefas domésticas, quando despeja as memórias cruas de sua vida em cadernos escolares pautados.



Prabodh Kumar, o professor de antropologia reformado que a descobriu, ficou impressionado com o que leu e incentivou-a a continuar. Depois de vários meses ele ele ajudou-a a editar o texto em forma de livro.

Traduzida para o inglês no início deste ano, a autobiografia de Baby Halder tornou-se um best-seller.
Em certo sentido o enredo é uma versão indiana de “Angela’s Ashes” - a narrativa de Frank McCourt vencedor do prêmio Pulitzer sobre sua vida miserável na Irlanda .
A história de Halder conta-nos a história de uma infância pobre nos anos 70 no nordeste da Índia. O estilo de Halder nunca lhe conquistará prêmios literários; mesmo com a edição de Kumar, a narrativa é árida e a profusão de personagens que entram e saem de cena tornam a o enredo confuso. Mas apesar disso o livro oferece uma imagem profundamente emocionante da vida de milhões de mulheres pobres indianas, e aspectos da sociedade indiana que geralmente não são focados por escritores.
O seu livro dá voz a um grupo de pessoas que por motivos de tradição e educação geralmente são condenadas a permanecer em silêncio. . Halder relata a sua história através de uma linguagem simples sem nenhum traço de auto comiseração. . A narrativa inicia-secom uma cena na qual a sua mãe - exausta pelas prolongadas ausências do pai e seu fracasso em sustentar a família - sai para o mercado um dia e nunca mais regressa .
Com ausência de sentimentalismo, ela conta como o seu pai lhe bate por contar a uma amiga da escola que não tinha comida em casa, como surge na sua vida uma madrasta e outra e a seguir outra ainda ,ela narra as suas temporadas na escola interrompidas por falta de dinheiro e o caos em casa , e como sua irmã mais velha é súbitamente casada porque o pai não a pode sustentar.
Halder era nova demais para entender o significado dos preparativos de seu próprio casamento, preferindo brincar com suas amigas na rua. Depois de lhe ser apresentado o seu futuro marido, com o dobro de sua idade, Baby, com 12 anos, diz a uma amiga: “Vai ser bom casar-me. Pelo menos terei uma festa”.
Mesmo nas horas que precederam o casamento, “eu cantava e pulava de alegria”, escreve ela. A percepção do horror de sua nova vida de casada chega depressa.

Ela logo vê-se grávida, e, mal entendendo o que aconteceu, vê-se criticada pelo médico por “decidir” ter um filho em idade tão nova. Dois outros filhos se seguem, então o seu marido quebra-lhe a cabeça com uma pedra e sua irmã mais velha é espancada e estrangulada pelo seu marido.
Halder decide abandonar o casamento. Foge de comboio para Déli, onde, como muitas outras mulheres desesperadas, procura trabalho como doméstica em casa da classe média em ascenção. Em Nova Deli ela consegue escapar da miséria mandando seu filho mais velho trabalhar como empregado doméstico, e trabalhando ela própria para patrões abusivos. Os patrões tratam-na de maneira desumana, obrigando-a a trancar seus filhos no sótão durante o dia enquanto ela trabalha. Ela escreve sobre uma dona de casa: “Assim que ela se sentava eu tinha de lhe oferecer chá, água, gelado , o que ela quisesse. Depois tinha de massagear sua cabeça ou seus pés ou alguma parte do corpo: o trabalho nunca terminava”.
Hadler não articula diretamente sua raiva, e raramente culpa o seu pai ou o marido pelas crueldades que sofreu, mas os factos falam por si mesmos . A narrativa é uma descrição simples de uma existência triste, que dispensa adornos literários. Em uma entrevista na casa de Kumar, onde ainda trabalha como governanta, Halder parece inicialmente mais à vontade no seu papel de empregada do que no seu papel de escritora, e recusa-se a sentar-se até que o chá ou a àgua tenha sido servida a todos.
Hoje com 32 anos, Halder diz que escrevia , no quarto dos empregados, depois de terminar suas tarefas domésticas e de as crianças estarem a dormir. “Quando eu escrevia, sentia que estava conversando com alguém e depois me sentia-me mais leve, como se tivesse de certa forma a vingar-me do meu pai, que nunca cuidou de mim como deveria , e a vingar-me do meu marido”, diz ela. “Nunca pensei que outras pessoas poderiam interessar-se pela minha história.”
Kumar . o seu patrão, afirmou que ficou imediatamente impressionado com aquilo que ela havia escrito.
“Fiquei surpreso, vi que era muito especial”, afirma ele . Kumar tirou fotocópias do texto e enviou-o para amigos no mundo editorial.
“Eles gostaram e disseram que lhes lembrava os textos de Anne Frank - uma jovem que escreveu um diário e morreu jovem”, acrescenta Halder . “Fui incentivada a escrever tudo, a minha vida inteira. Eu não pretendia começar um livro, estava apenas escrevendo.” Elogiada pela elite literária de Déli como uma obra inovadora, “Uma Vida Menos que comum ” foi traduzida para várias línguas indianas e encontrou um público entre as mulheres que viveram as mesmas dificuldades de Halder.
“Este não é um livro que pode ser lido e ser posto de lado. Ele levanta questões sobre o destino dos milhões de trabalhadores domésticos no nosso país e como são maltratados”, conclui uma resenha no jornal “The Hindu”.

“Realmente é uma história de coragem debaixo de fogo.”
Este também é um retrato da maneira como a sociedade indiana moderna trata as mulheres que deixam seus maridos - estigmatizando-as e colocando-as nas margens da existência.
“Escolher o divórcio é a coisa mais difícil que uma mulher pode fazer”, diz Halder. “As pessoas nas aldeias dizem coisas feias sobre nós , mas eu quis dar aos meus filhos uma vida melhor, por isso não tive escolha.” “Uma mulher disse-me que a minha história era exatamente a história dela, o que me deixou muito feliz”, ela acrescentou. “Há tantas outras mulheres na Índia que deixaram suas casas, como eu o fiz. Não há apoio para elas - a vida não é fácil, e elas não têm oportunidade de contar a sua história. Se eu puder lhes dar alguma confiança, dar-me-ei por satisfeita.”
Kumar explica como ele ajudou sua empregada a organizar o texto de forma a este se tornar um relato cronológico da sua vida, tirando muitas repetições e corrigindo erros gramaticais. Ele diz que no início ela cometia muitos erros, mas melhorou rapidamente e aos poucos adquiriu maior sofisticação como escritora. Seus manuscritos mais recentes mostram um bengali em boa caligrafia, apertada nas páginas pautadas do bloco como se ela tivesse a preocupação de não desperdiçar papel.
Apesar do seu sucesso Halder afirma não ter planos para mudar de carreira.
Ela está a escrever o segundo livro ao mesmo tempo que continua a executar os seus trabalhos domésticos.
“Quero ser uma escritora e continuarei escrevendo, mas por enquanto não posso deixar Tatush, por isso continuarei trabalhando aqui”, ela afirma.
E desaparece para preparar o almoço do seu patrão - Tatush, como ela o chama.

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